Muito além das quadras

O machismo no voleibol está muito além de seis linhas. Situações em que mulheres são diminuídas e até agredidas ainda extrapolam o limite das quadras. Elas estão ausentes em posições de comando e de autoridade e quando aparecem, muitas vezes são atacadas e menosprezadas. 

Representação feminina em cargos de liderança no voleibol é extremamente baixa (Foto: FIVB)

Treinadoras excluídas

Você já parou para pensar sobre quantas mulheres treinam times na Superliga Brasileira? A resposta é extremamente fácil: zero! Tanto na Superliga feminina quanto na sua versão masculina, não há nenhuma treinadora.

E isso não é novidade, a última vez em que a Superliga teve uma técnica foi na edição 2014/2015 quando a paulista Sandra Mara Leão dirigia o Uniara Araraquara. Naquele ano o Uniara acabou rebaixado à série B e a primeira divisão da Superliga nunca mais teve uma técnica. Sandra atuou e foi campeã da série B da Superliga em 2016, mas o time desistiu do acesso - e o Brasil nunca mais teve uma treinadora na Superliga.

Isso também não é exclusividade do Brasil. Uma pesquisa realizada pelo blog revela que das 48 seleções que disputaram o qualificatório olímpico da FIVB apenas uma tinha uma mulher como técnica. Nessa pesquisa analisamos também a composição das 24 equipes técnicas do Qualificatório Olímpico 2019 no feminino + a equipe técnica do Japão feminino na Copa do Mundo 2019 (o Japão não disputou o qualificatório por ser a sede olímpica).

Dentre as 25 principais seleções do mundo, no masculino não há nenhuma treinadora, enquanto o feminino tem apenas duas, Lang Ping, da China, e Kumi Nakada, do Japão. Quanto às comissões técnicas, chegamos aos seguintes percentuais: 8% das técnicas entre as principais seleções do mundo são mulheres; 28% são presidentes/gerentes de uma federação nacional; 0% é o valor que corresponde às assistentes técnicas, 11% são médicas; 29% são fisioterapeutas.

12 das 25 seleções não têm nenhuma mulher em sua comissão técnica, incluindo o Brasil, a Rússia, a Polônia e a Argentina, outros países citados nessa reportagem. Apenas uma seleção tem maioria feminina: o Azerbaijão, com 3 de 5. 


O ensurdecedor silenciamento do apito

Nem todo mundo costuma notar a arbitragem, mas não existe voleibol sem o bom trabalho delas e deles. A profissão não remunera tão bem e normalmente é secundária, um plus na vida desses profissionais, no entanto, levada muito a sério! Nos últimos anos, a pressão aumentou sobre os árbitros e o Brasil caminha a passos largos sem o sistema de desafio por câmeras. Mas a rotina da arbitragem traz muito mais do que marcações polêmicas.

"Eu sinto o machismo todo dia", é o desabafo da árbitra Débora Santos, da Federação Carioca, um dos principais nomes da arbitragem nacional. "Já fui retirada de escalas por ser mulher, já fui colocada em escala só por ser mulher. Eu já fui para um campeonato em que esqueceram que tinha árbitra mulher, então não tinha um vestiário que eu pudesse usar. Uma vez também esqueceram de deixar um quarto para mim porque dividiram considerando que seriam só homens".

Débora Santos conta detalhes de sua trajetória como árbitra "esqueceram que tinha mulher" (Foto: arquivo pessoal/reprodução)

São 24 anos de carreira e muito chão caminhado. Débora lembra ainda que já foi coordenadora de arbitragem de uma competição militar e que algumas pessoas não queriam que ela apitasse os jogos do masculino por ser mulher. "Queriam que eu trocasse com meu irmão, mas ele não tinha disponibilidade. Não aconteceu nada demais, mas algumas pessoas ficaram incomodadas pelo fato de que quem estava coordenando ser uma mulher".

Mas não pense que esse tipo de atitude machista é raridade ou está longe do esporte profissional. Ele está presente na mais alta cúpula do voleibol brasileiro: a Superliga. E foi da arquibancada, quando assistia a um clássico do voleibol feminino brasileiro que Débora ouviu uma crítica inacreditável a uma colega de profissão.

Depois de uma marcação dada por Paula Silva, também árbitra da Federação Carioca, o técnico de um dos times com maior investimento da Superliga Feminina gritou com o delegado da partida " vendo? Isso que dá, coloca mulher para apitar jogo e aí acontece essas me*das". Paula não ouviu a ofensa no momento, mas ela foi confirmada pelo delegado da partida. Mesmo com o comentário misógino, não houve nenhum relato sobre isso na súmula da partida produzida pelo delegado. Inacreditável!

Infelizmente, Paula Silva é mais uma árbitra que soma ofensas de técnicos e jogadores no voleibol brasileiro (Foto: reprodução/Sportv)


Paula diz que esse tipo de situação infelizmente é normal e nunca há nenhum tipo de punição. "Dizem que é calor do momento e não tomam atitude nenhuma", lamenta Paula Silva. "Já aconteceu de um técnico da base vir para cima de mim agressivamente me culpando pela derrota", e mais uma vez, sem tomar nenhuma punição. 

Em outro caso assustador, Paula quase foi agredida por um jogador. "Ao final de um jogo, um atleta veio até a minha frente, me ofendendo, apontando o dedo na minha cara. Eu não podia revidar, pois eu estava no meu local de trabalho. Mas aí segurar a raiva me faz mal e eu acabei chorando muito", Paula relembra. "E o que me deixou mais triste é que ninguém tirou ele da minha frente ou sequer veio tomar a minha defesa". E mesmo com dezenas de profissionais e público a sua volta, ninguém fez nada para ajudar Paula. Mais uma vez, não houve nenhuma punição.

A árbitra relata já ter ouvido coisas terríveis de atletas. "Vai chupar... ao invés de assoprar o apito, filha da p***, essas coisas que parecem básicas, mas são bem ofensivas para uma mulher", diz Paula. A gente não vê, a gente não ouve essas coisas, mas é aterrorizante.

Outra situação complicada para as árbitras brasileiras, segundo Débora, é a falta de oportunidade de se atuar nos bastidores, em cargos de liderança no meio do voleibol. "A árbitra mal tem oportunidade de atuar, imagina quando ela se aposenta. Para atuar nos bastidores são raríssimos os casos e o que eu posso te garantir é que na maioria das vezes não é por competência é por quem indica. E aí, particularmente, eu estou fora", desabafa a árbitra. 

Comentários

  1. Pra mim, as melhores arbitragens são as das mulheres.
    Patrícia Holf, Suzana Rodrigues, Hiji Kim e tem uma Argentina que eu não lembro o nome. São árbitras fantásticas

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  2. A luta das mulheres ainda será longa. Mas é muito reconfortante ver as corajosas, as que enfrentam e não desistem, não baixam a cabeça! Força mulherada!!

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