Caso Aninha: do relato chocante aos ataques racistas e às ameaças de morte

No último domingo (21), as declarações dadas pela líbero Ana Eliza Camargo, a Aninha, impactaram o meio do voleibol brasileiro. Através de um blog do jornal O Estado de São Paulo (leia aqui), a atleta deu um relato triste e forte sobre a realidade de uma atleta de voleibol brasileiro, fora dos holofotes do G5 ou da seleção feminina.

Aninha chegou ao clube quando tinha 20 anos, ganhando R$ 750,00. Ficou lá por quatro temporadas e deu declarações corajosas sobre sua estadia no clube.

Aninha defendeu o Curitiba Vôlei por quatro temporadas consecutivas (Foto: divulgação)

As acusações de Aninha

Salários atrasados e, por incrível que pareça, isso foi o mínimo. Aninha relatou dividir uma kitnet (casa de dois cômodos + banheiro) e mesmo assim ter sido despejada de lá. "Eles me deram duas horas para sair do lugar onde eu estava morando para outra atleta morar. Só que eles não deram outro local para eu ir. Apenas disseram para sair e pronto. Eu me senti um lixo, simplesmente descartável", contou Aninha ao Estadão. 

Na temporada 2018/2019, Aninha assinou um contrato de R$ 1.500, mas teve o valor reduzido para R$ 1.000 porque Curitiba contratou uma outra líbero. A jogadora finalmente chegou à titularidade absoluta da equipe com o salário de R$ 3 mil, justamente o valor que afirma não ter recebido integralmente. 

Em quatro temporadas, líbero do Curitiba teve salários de 750 a 3 mil reais (Foto: divulgação)


Além disso, Aninha conta ter morado a maior parte do tempo de favor na casa da sogra, afirma que Curitiba não lhe fornecia moradia e sequer a passagem de ônibus para os treinos. A jogadora também conta que passou por um procedimento dentário doloroso na faculdade que patrocinava a equipe, mesmo sem sentir qualquer dor antes.

O fim da relação chegou quando Aninha sofreu uma lesão grave e precisou passar por cirurgia e, segundo a mesma, não foi amparada por Curitiba.

O outro lado da moeda: a versão de Curitiba

O Curitiba Vôlei é um projeto gerido por uma mulher esportista, a ex-tenista Gisele Miró. Inicialmente, Miró disse que as acusações de Aninha não são verdadeiras e rebateu dizendo que havia apresentado os valores e pago o que devia. 

Também afirmou que Aninha escolheu morar com o namorado e também escolheu operar com Júlio Nardelli, médico da seleção feminina. Miró ainda apresentou ao portal Cultura930 trechos de conversas com a líbero. "São denúncias falsas! Vai responder judicialmente", disse Gisele.

Gisele Miró é a responsável pelo Curitiba Vôlei (Foto: Henry Mileo/ Bem Paraná)

Acusações endossadas

Outras duas atletas não só apoiaram Aninha como também relataram abandono profissional de Curitiba. Carol Westermann sofreu uma ruptura do ligamento cruzado um dia antes da estreia na Superliga B, enquanto Mariana Galón teve sua carreira interrompida por um problema no coração. As duas alegam não terem recebido nenhum apoio de Curitiba.

O fim do patrocínio

A Universidade Positivo confirmou parcialmente uma das acusações de Aninha: a extração dos sisos Segundo a Positivo, realizada por um aluno sob orientação de professores odontologistas. A universidade também se propôs a custear qualquer tipo de tratamento que for necessário à jogadora.

E no mesmo dia anunciou o fim da parceria com o Curitiba Vôlei. A empresa disse que a decisão não tem nada a ver com as denúncias, mas finalizou seu comunicado justificando seus atendimentos dentro da universidade - o que se assemelha diretamente ao caso de Aninha.

Universidade Positivo deixou o projeto de Curitiba (Foto: divulgação)

É um adeus, Curitiba?

O projeto já andava mal. Gisele Miró já relatava a dificuldade de manter o Curitiba Vôlei mesmo antes de todo esse escândalo. É uma pena, o Curitiba figurava como a maior surpresa do voleibol nacional nos últimos anos e sua gestora já pensava até em levar o Super 8 para a cidade.

Mas quem conhece o projeto sabe que toda a estrutura utilizada era da universidade.

Ódio e racismo

O que parecia não poder ficar pior, ficou e nosso esporte, mais uma vez, mostrou sua pior face. Em seu Instagram, Aninha compartilhou mensagens criminosas e racistas recebidas de usuários anônimos. As mensagens ofendem: "Vai queima no inferno. Vc suja Curitiba com essa sua cor de escrava. Tem que apanhar de chicote para aprender" e "nenguinha banguela imunda, quer pegar dinheiro de gente rica para tentar ficar rica, sua vaca. Desgraçada".

Aninha também relatou ter recebido ameaças de morte, assim como Gisele Miró. Inacreditável termos chegado a esse ponto no nosso esporte...



Comentários

  1. E graças a toda essa polêmica, o projeto de Curitiba vai por água abaixo. Um time a menos na Superliga.

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    1. O projeto já estava definhando nos bastidores, só a gente não sabia o que acontecia. Não tem dinheiro, não joga. É melhor do que ficar dando calote por aí.

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    2. Essa é só a ponta do iceberg. Se um dia um jornalista resolver cavucar fundo no que acontece no vôlei, vai ver coisa muito pior do que péssimas condições de trabalho, falta de pagamentos ou contratos desrespeitados. Vai encontrar abusos psicológicos e e principalmente sexuais, como eu via quando era atleta de base. Tem técnico famoso de clube grande na base que ia direto pra cadeia.

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    3. Sim! Isso aconteceu na seleção polonesa ano passado; imagina o que não rola no 'baixo clero' do vôlei brasileiro há muito tempo. Várias coisas não vem à tona tbm pois a CBV é podre, corrupta e acoberta as polêmicas. Muitos zoam o Voloch de fofoqueiro - kkk -, mas ele é o único jornalista que dá espaço para esse tipo de denúncia. Espero que mais atletas botem a boca no trombone. Os clubes só passam dos limites pq a CBV permite. O foco principal dos problemas tá na confederação nacional e nos respectivos representantes estaduais.

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    4. "Muitos zoam o Voloch de fofoqueiro - kkk -, mas ele é o único jornalista que dá espaço para esse tipo de denúncia"

      Anônimo, tenho um blog aberto a quem quiser fazer esse tipo de denúncia, então o Voloch não é o único. Infelizmente não estou em um veículo grande como o Estadão e nem tenho um site abarrotado de patrocínios, mas nunca me omiti, mesmo antes de formado, a criticar, denunciar e expor o que acho errado no vôlei.

      Aliás, minha tese final de pesquisa foi sobre isso rsrsrs. Talvez eu perca oportunidades, possíveis patrocínios e até fontes que já relataram ter medo de falarem comigo por serem prejudicadas, mas eu sempre vou ficar do lado do nosso esporte.

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    5. "Tem técnico famoso de clube grande na base que ia direto pra cadeia."

      Eu sei, dolorosamente eu sei. E sei como a CBV agiu quanto a isso. Mas, infelizmente, a vítima (eu sei de pelo menos uma) não se sente segura pra falar.

      Eu fazia uma matéria sobre um técnico brasileiro (se for o mesmo que vc aponta) quando uma pessoa chegou até mim e disse: "Gustavo, para. Ele não é quem você pensa".

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    6. Gustavo concordo com você, o seu blog é excelente, eu entendi o que o anônimo de cima quis dizer, a maioria dos veículos de comunicações tem receio em denunciar esses casos, é claro que você não se encaixa nisso.

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    7. Perfeito, último anônimo. É óbvio que eu me referi aos jornalistas da grande mídia que inclusive recebem para abafar esse tipo de escândalo.

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    8. Entendi pessoal, obrigado por esclarecerem <3

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