Ranking da Superliga: vamos nos reunir para decidir se você pode jogar aqui

Distinção entre os gêneros não é exclusividade do órgão máximo do voleibol mundial, também acontece nas federações e confederações nacionais. O Brasil tem autoridade para falar disso e sua confederação, a CBV, resistiu até o último momento possível para manter vivo ao seu ato considerado mais separatista dos últimos anos: o ranqueamento.

O ranking da Superliga foi criado para os dois gêneros em 1992, com o objetivo de promover equilíbrio entre os participantes do torneio. Mas se em algum dia o ranking funcionou (e essa hipótese divide opiniões), já há algum tempo tornou-se obsoleto. Isso porque em 27 edições da Superliga Feminina, 20 tiveram os clubes Rio de Janeiro (Paraná, de 1998 até 2004) ou Osasco na final do torneio.

Mas no que consistia o ranking? Uma classificação que definia uma espécie de valor para cada jogador, elencando aproximadamente 120 de cada gênero. Os times tinham uma pontuação máxima para realizar suas contratações e os valores de cada atleta ranqueado variava de 1 a 7 pontos.

Também existiam algumas regras que reduziam ou zeravam o valor de cada profissional, como o repatriamento de jogadores, ser o clube formador, renovar o contrato dos atletas e contratar um atleta de mais de 36 anos. No entanto, a regra mais polêmica do ranking era a limitação de jogadores de sete pontos por time, que determinava que cada equipe poderia ter no máximo três atletas nesta condição. 

Apesar de ser válida tanto para o gênero feminino quanto para o masculino, a diferenciação começou em 2014, quando a CBV decidiu que cada equipe só poderia ter duas jogadoras de valor sete por equipes, enquanto no masculino não houve alteração. Esse formato se manteve por três temporadas, até 2017, quando a CBV determinou que apenas as jogadoras escolhidas como sete pontos permanecessem ranqueadas. 

No masculino não houve alteração, mas esse “descrédito” durou apenas um ano. Em 2018, o ranking passou a valer somente para os jogadores mais bem pontuados, tanto no feminino quanto no masculino. A diferença, no entanto, era mantida: os times femininos podiam ter apenas 2 jogadoras de sete pontos, enquanto os times masculinos podiam ter até três.

Se a situação parecia já injusta para as mulheres em 2018, o pior estava por vir. Em 2019, finalmente os homens conseguiram extinguir o ranking de vez da Superliga Brasileira, possibilitando que qualquer time pudesse contratar qualquer jogador. Mas para as mulheres, o ranking foi mantido. 

Mas afinal: quem decidia o ranking e por que os apelos das atletas nunca foram ouvidos? Uma votação detalhada nos ajuda a entender.

Imagem de protesto utilizada pelas jogadoras brasileiras após a votação em 2019. Infelizmente, não surtiu efeito para o fim do ranking naquele ano (Foto: reprodução/Instagram)


A histórica e injusta votação de 2019

Em março de 2019, os dirigentes dos 10 clubes mais bem colocados na Superliga votaram pela manutenção ou não do ranking. Por 9 votos a 1, o ranking foi mantido e a única exceção foi o Praia Clube, vice-campeão daquele ano. Naquele mesmo mês, os representantes de cada time se reuniram para decidir quem seriam as jogadoras ranqueadas.

Os clubes foram representados por Harry Bollmann e Hélio Griner (Rio de Janeiro), André Torres (Fluminense), Marina Miotto (São Caetano), Renato Tavolari e Paulo Rogério (Sesi Bauru), André Lellis (Praia Clube), Jarbas Soares (Minas), Antonio Berardino (Osasco), Lissandra Pelizaro e Sérgio Negrão (Pinheiros), Benedito Crispi e Wagner Coppini (Barueri). 11 homens e duas mulheres se sentaram em uma mesa com o superintendente da CBV, Renato D'ávila, e com a gerente de competições de quadra, Cilda D’Angelis, para decidir o destino de pelo menos oito atletas.

Renato D'ávila, superintendente da CBV, foi quem presidiu a votação do ranking (Foto: reprodução/CBV)

Inconsistências 

Em uma série de reportagens com informações reveladas pelo To Fly Volleyball, em março de 2019 foi possível percebermos como cada dirigente agiu conforme o objetivo de seus clubes para a temporada seguinte.

A primeira parte da reunião foi designada para a decisão sobre as atletas que já estavam no ranking: Danielle Lins (Dani), Fabiana Claudino, Fernanda Garay, Gabriela Guimarães (Gabi), Natália Pereira, Tandara Caixeta, Thaísa Menezes e Tifanny Abreu. Eu poderia citar aqui um padrão para essa escolha, como título olímpico ou convocação constante para a seleção, mas haveria pelo menos uma exceção em cada caso.

Das oito atletas que já estavam no ranking, cinco foram mantidas por unanimidade: Fabiana, Fernanda Garay, Gabi, Natália e Tandara. Aqui temos um padrão: cinco jogadoras selecionáveis que brigavam por vaga na seleção para a Olimpíada de Tóquio. A coisa mais curiosa é que Fabiana e Fernanda estavam no mesmo time, o Praia Clube, assim como Natália e Gabi, que jogavam no Minas. Isso impossibilitaria que eles contratassem outra jogadora da lista de sete pontos. 

Minas votou pela manutenção de Natália (12) e Gabi (10) no ranqueamento, mesmo com as duas atletas ainda defendendo a camisa do clube (Foto: FIVB)


Coincidência ou não, em 2019, Fabiana foi jogar no Japão e Natália e Gabi foram para a Turquia. Será que essas saídas já eram de conhecimento dos dirigentes que votaram “contra” elas no ranking? As outras atletas receberam um voto negativo cada: Dani teve um não do Praia Clube, enquanto Thaísa e Tifanny receberam não do Bauru.

Parecem apontamentos cirúrgicos, votos que poderiam influenciar as movimentações de mercado dos times, suas contratações. Barueri, por exemplo, votou contra Dani e Thaísa no ranking, mesmo sendo o time das jogadoras. Na temporada seguinte a equipe sofreu uma redução brusca de investimento e as duas atletas foram obrigadas a deixar Barueri. Com exceção de Fernanda, todas as jogadoras que receberam um voto positivo para o ranking deixaram o clube. 

Inclusões rejeitadas

Dando prosseguimento à votação, outras jogadoras tiveram seus nomes sugeridos pelos dirigentes. Quatro deles foram recusados: Adenízia da Silva, Ana Carolina Silva (Carol), Drussyla Costa e Sheilla Castro. Antonio Berardinho (dirigente de Osasco), propôs a inclusão de Carol, enquanto Jarbas Soares (Minas) apontou as demais.  

Os times decidiram por unanimidade não incluir Adenízia, Drussyla e Sheilla, ambas tiveram votação de 9 a 0. Isso quer dizer que mesmo o proponente Jarbas Soares votou contra as suas indicações. Carol teve uma votação apertada, teve a inclusão rejeitada por 5 x 4.

Algo que torna cruel o posicionamento do dirigente do Minas é a indicação de Sheilla, que havia acabado de ter duas filhas gêmeas, já havia jogado pelo time, era da mesma cidade e não atuava profissionalmente desde 2016. Curiosamente, Sheilla acabou retornando às quadras no mesmo ano pelo Minas, o que seria impossível se indicação de Jarbas tivesse sido aceita, já que outras duas jogadoras de sete pontos já teriam contrato fechado com o time.

Mesmo depois de mais de 3 anos parada e de dedicar-se à maternidade, o nome de Sheilla Castro foi proposto para ser uma jogadora ranqueada, o que complicaria seu retorno às quadras (Foto: reprodução/Instagram)

Inclusões aceitas e a injustiça com as levantadoras

Uma das posições mais complexas no voleibol é a levantadora. Conhecida por ser o cérebro do time, todas as armações de jogadas passam pelas mãos delas. A levantadora exige mais estabilidade, ou seja, é um jogadora que você quer na sua equipe por mais tempo e quer que ele seja a titular durante todo o jogo, afinal os treinos são pensados basicamente nas opções delas.

É assim no mundo inteiro, o que torna mais difícil suas contratações por ligas estrangeiras. Além do mais, todas as grandes ligas têm limite de estrangeiras, então dão preferência a atacantes de força e poder de definição.

No mercado, exportar levantadoras é sempre mais complicado - você nunca verá uma delas na China, na Coreia e no Japão e até mesmo na Turquia é difícil. A Itália é o país que mais contrata levantadoras estrangeiras, o que aumenta a disputa por lá também: americanas, holandesas, sérvias e até polonesas atuam na liga italiana.

E ainda assim, sabendo de tudo isso, foram duas levantadoras que ganharam destaque na votação do ranking: Josefa Fabíola de Sousa e Macris Carneiro. O nome de Fabíola foi proposto pelo dirigente de Barueri, Benedito Crispi. Fabíola frequenta convocações da seleção feminina desde 2006 e já representou o Brasil em diversos campeonatos, como o Mundial de 2014 e a Olimpíada de 2016, por exemplo. Sua inclusão foi aceita por 5 votos a 4.

Mas… e Macris?

A partir da sugestão de Lissandra Pelizaro, dirigente do Pinheiros Esporte Clube, Macris Carneiro foi indicada para o ranqueamento da Superliga. E foi aceita por unanimidade, incluindo o voto de Jarbas Soares, dirigente do Minas, seu time.

Mas a dúvida que ficou sobre essa decisão foi: por que a levantadora do Minas foi considerada uma jogadora de 7 pontos? Até então, a levantadora nunca havia tido a oportunidade de ser titular da seleção brasileira em uma grande competição, estava apenas em seu segundo ano como titular de uma grande equipe e nunca havia vencido a Superliga. 

Macris esbanjava talento na Superliga, mas até a votação do ranking, nunca havia recebido uma grande oportunidade na seleção brasileira (Foto: Orlando Bento/MTC) 


Em termos de comparação, Roberta Ratzke, do Rio de Janeiro, vinha de uma sequência de nove pódios na Superliga, sendo que em seis deles foi campeã, além de ter atuado como titular da seleção brasileira em títulos importantes, como na conquista do Grand Prix 2017, ano em que Macris foi sua reserva. 

O currículo de Roberta fazia dela uma jogadora muito mais capacitada a ser incluída no ranking do que o de Macris, prova de que essa ferramenta, se um dia já teve funcionalidade, acabou por se tornar algo totalmente desnecessário, baseado em “achismos” e nenhum critério técnico, além de opinião de alguns dirigentes. 

E volta o Jarbas arrependido...

É difícil não criticar ou no mínimo questionar as decisões de Jarbas Soares, o representante do Minas Tênis Clube. Ao final das indicações, Jarbas concordou que as dez jogadoras eram as que apresentavam necessidade de ranqueamento, mas ressaltou que Macris nunca teve espaço na seleção brasileira principal. A pergunta que ficou, é: então por que Jarbas votou nela?

Isso sem contar que Macris encaminhava a renovação com o time, que já flertava com outra ranqueada, a central Thaísa. Jarbas ponderou que pelo campeonato que Macris fazia, seria justo que ela fosse reconhecida. Mas em mais uma reviravolta, o dirigente propôs que nenhuma das levantadoras, incluindo Dani Lins e Fabíola, ficassem no ranking.

Hélio Griner, representante do Rio, um dos ferrenhos defensores do ranking, foi quem retrucou, comparando as habilidades da levantadora a Fernanda Venturini e Fofão, ex-jogadoras com múltiplos títulos no Brasil e no exterior, que representaram a seleção brasileira inclusive em olimpíadas. Mais uma vez, endossamos: nenhum critério técnico, uma discussão pautada em opiniões. 

A proposta do arrependido Jarbas Soares foi derrubada por 8 votos a 1.

Enfim, o fim

Em março de 2020, uma nova votação foi realizada para a definição do ranking para a temporada 2020/2021, com as ausências de dirigentes de Curitiba, mais uma vez, e Barueri. Por 5 votos a 4, os clubes decidiram manter o ranking. Novamente votaram a favor os dirigentes de Rio, Bauru, Flamengo, Fluminense e Pinheiros. No coro dos contras, o Praia Clube repetiu seu voto de protesto, mas dessa vez acompanhado por Minas, Osasco e uma comissão de atletas representada por Renata Colombo e Amanda Campos (ambas do Rio, time que votou a favor do ranqueamento).

O ranking foi mantido, mas a CBV desconsiderou os votos de Curitiba e Barueri, que foram enviados de forma oficial por e-mail. Depois de toda a repercussão negativa e da manifestação de várias atletas, a CBV realizou uma nova reunião para incluir os votos de Curitiba e Bauru, desta vez realizada por videoconferência (no início da pandemia de Covid-19). Todos os times mantiveram suas posições, excedendo Bauru, que era a favor do ranking e decidiu mudar o seu voto. Por 7 votos a 4, o ranking da Superliga para as mulheres foi finalmente extinto.

Com o fim do ranking, jogadoras como Fabiana, Natália, Sheilla e Dani Lins finalmente puderam escolher aonde jogar, sem qualquer tipo de restrição (Foto: Herman/Reuters)

Comentários

  1. Colocar Macris com o valor 7 pontos no Ranking pelos critérios técnicos, enquanto a Roberta tinha mais currículo, só mostrou o quanto a comissão da CBV votava através de ACHISMO.

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  2. Quem é Amanda Marinho? Não seria Amanda Campos? Gu, acho que vc misturou a Amanda ponteira com a Ananda levantadora.

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    1. Boa observação!

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    2. Eu confundo o sobrenome com o das gêmeas há anos, desculpem, gente, já corrigi <3

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  3. A história é interessante, mas o ponto central acho que você não discutiu: os decisores sobre os destinos das jogadoras. São todos homens! Isto é desigualdade de gênero.

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